Musculação, Memória e o Milagre da Longevidade: quando o peso é proteção para o cérebro
Coluna Opinião Livre - Por Dante Navarro

Nem todos terão o privilégio de envelhecer o suficiente para acompanhar o crescimento dos netos, viver os reencontros familiares ou simplesmente lembrar dos nomes que um dia significaram o mundo. Envelhecer, afinal, é uma bênção que nem todos alcançam. E quando a idade chega, ela traz consigo o desafio mais nobre: preservar não só o corpo, mas também a mente.
A ciência acaba de oferecer um novo aliado nessa missão. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn), da Fapesp, trouxe uma revelação poderosa: a musculação, sim, ela mesma — com seus halteres, barras e repetições — pode proteger o cérebro de idosos contra a demência.
Músculo é mente: o cérebro agradece
Publicado na respeitada revista GeroScience, o estudo acompanhou 44 pessoas com comprometimento cognitivo leve — aquela zona cinzenta entre o envelhecimento normal e o Alzheimer. Após seis meses de musculação, praticada duas vezes por semana, os resultados foram surpreendentes. Áreas do cérebro vitais para a memória, como o hipocampo e o pré-cú neo, foram preservadas. Mais ainda: houve melhora na chamada substância branca, responsável por garantir as conexões neurais.
E, entre os que se exercitaram, cinco participantes conseguiram um feito raro: reverter o diagnóstico de comprometimento cognitivo leve.
A bolsista de doutorado Isadora Ribeiro, da Unicamp, resume o impacto: “Todos os indivíduos do grupo da musculação apresentaram melhoras de memória e na anatomia cerebral”. Em outras palavras, o cérebro treinado é um cérebro mais jovem.
Quando o movimento é remédio
A história da professora aposentada Shirley de Toro é um retrato emocionante dessa realidade. Aos 62 anos, com passagens por cirurgias cerebrais e acidentes graves, ela encontrou na musculação não só força física, mas também uma âncora emocional. “Comecei a pegar peso, e as dores pararam”, conta. Durante a pandemia, foi o treino em casa que manteve sua saúde mental em pé — mesmo quando o luto bateu à porta.
Shirley é a prova viva de que o exercício é um tipo de resistência — não só física, mas existencial. Ela não está apenas levantando pesos. Está levantando a própria vida, dia após dia.
Um país que precisa se preparar para envelhecer
Por muito tempo, se acreditou que os exercícios físicos para idosos deveriam ser leves, quase simbólicos — uma caminhada, uma dança, uma hidroginástica tímida. Mas os tempos mudaram. Hoje, médicos e educadores físicos recomendam a força muscular como elemento-chave da longevidade com autonomia. Afinal, a perda de massa magra começa cedo — por volta dos 30 anos — e se acelera com o tempo.
A técnica Alessandra Nascimento, do Sesc-SP, reforça que trabalhos com sobrecarga (seja com pesos, elásticos ou o próprio corpo) estão entre os mais promissores para a saúde física e mental dos idosos. E vai além: é preciso democratizar esse acesso com políticas públicas, incluindo educadores físicos nas UBS e no SUS. A musculação pode salvar memórias — e vidas.
E essa é também a visão da Dra. Patricia Allevato, presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos dos Idosos da Associação Brasileira de Advogados (ABA), e renomada ativista pela causa do envelhecimento digno:
“Estamos diante de uma oportunidade histórica de reescrever o envelhecimento no Brasil. A musculação, mais do que exercício, é uma ferramenta de autonomia e dignidade. Precisamos garantir que os idosos tenham acesso a essa prática, com orientação adequada e apoio do poder público. A longevidade com qualidade é um direito humano — e lutar por isso é uma prioridade da ABA.”
Um cérebro que quer continuar lembrando
O Brasil já tem 2,71 milhões de idosos com algum tipo de demência. Até 2050, esse número pode dobrar. Metade desses casos, segundo o Ministério da Saúde, poderia ser evitada ou retardada com medidas simples: combater o sedentarismo, a solidão, a obesidade, a depressão e outras causas silenciosas do declínio cognitivo.
É um chamado coletivo. Um convite ao movimento. À consciência de que, sim, podemos nos preparar para a velhice com dignidade — e com halteres, se for o caso.
Porque envelhecer pode ser um privilégio. Mas lembrar quem somos… isso é um direito que vale lutar para preservar.