A Liberdade Religiosa e sua observância nas relações de trabalho: breves considerações.

Fagner Sandes[1]
É indiscutível que o ambiente de trabalho, como regra geral e seja ele qual for, ainda que nas instituições de tendência, guardadas as devidas proporções, abraça pessoas das mais varidas religiões, ou seja, o ambiente laboral é por natureza plural. É inegável que a religião está inserida no mundo coorporativo
Essa particularidade decorre da sociedade ser pluralista por natureza.
Com efeito, ao analisarmos a Constituição brasileira, percebemos que o art. 1º, V, estabelece como um dos fundamentos do Estado brasileiro o pluralismo político, que é o fundamento maior de uma sociedade democrática como a brasileira, o que é reforçado pelo parágrafo único do mesmo artigo que averba: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Ora, é perceptível que o pluralismo gera a convivência necessária entre as mais diversas liberdades, o que inclui a liberdade religiosa.
Ademais, esse pluralismo vai exigir, minimamente, tolerância, que nos dizeres de John Locke[2], em suma, é o dever de respeito mesmo em caso de discordância:
“Nenhum indivíduo deve atacar ou prejudicar de qualquer maneira a outrem nos seus bens civis porque professa outra religião ou forma de culto. Todos os direitos que lhe pertencem como indivíduo, ou como cidadão, são invioláveis e devem ser-lhe preservados.
Ainda sobre a Tolerância o direito internacional a comparado são ricos de exemplos. Destacamos dois:
1) A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia assenta diz, expresasamente, no art. 22 que: “ A Unão respeita a diversidade cultural, religiosa e linguÌstica.”
2) Em Portugal, temos o art. 7º da Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001), que assim prevê:
“Os conflitos entre a liberdade de consciência, de religião e de culto de uma pessoa e a de outra ou outras resolver-se-ão com tolerância, de modo a respeitar quanto possível a liberdade de cada uma.”
Estamos diante de uma das grandes cirtudes da democracia a qual, por razãoes óbvias, também deve ser de observância nas relações de trabalho, com alguns critérios.
Não obstante, ainda temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê a liberdade religiosa, nos seguintes termos no art. 18:
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.
Ademais, considerando que a dignidade da pessoa humana é o valor mais elevado do sistema de direitos fundamentais, estando prevista na Constituição do Brasil no art. 1º, III, o trabalhador não vai se despir da sua identidade ao adentrar no ambiente de trabalho.
É fato que as normas internacionais e internas privilegiam o fato religioso e não é diferente na Constituição brasileira que, em síntese, cuida de tratar da quetsão no preâmbulo, no art. 5ª, VI, VII, VIII, no art. 19 etc.
Então é fato que o trabalhador também pode exercer sua liberdade religiosa.
A CLT trata do assunto de forma muito tímida. No art. 4º, parágrafo 2º, I; no art. 501-B, V; no art. 442, parágrafos 2º e 3º e , de forma velada, no art. 223-C (liberdade de ação).
A questão que se dá é na solução dos conflitos entre o trabalhador (liberdade religiosa) e o tomador dos serviços (liberdade organizacional e poder diretivo).
Como muito bem nos elucida Jónatas Machado (MACHADO, Jónatas, “Liberdade e igualdade religiosa no local de trabalho”, Cadernos da Escola Judicial do TRT da 4ª Região – n.º 03-2010, pp. 7-19),
“os riscos de colisão entre os direitos de propriedade, liberdade contratual e iniciativa económica privada do empregador, por um lado, e o direito à liberdade religiosa do trabalhador colocam-se quando este procura acomodação das suas pretensões religiosos em domínios como, os dias e horários de trabalho, pausas para meditação e oração, pausas durante o luto de entes queridos, exigências dietéticas, vestuário e penteados, uso de símbolos religiosos, participação em peregrinações, recusa de determinados exames médicos, expressão religiosa, etc
Pois bem! Em princípio o empregador deve acolher o ppleito do empregado quanto a alguma questão relativa a sua religião, ou seja, deve o empregador respeitar a liberdade religiosa do seu empregado. Inclusive, o empregador cumpre a sua função social ao respeitar o direito fundamental do empregado a sua liberdade religiosa.
O empregador deve proceder, em regra, com a acomodação razoável, que em apertada síntese é o dever do empregador de observar as crenças religiosas de seus empregados e proceder ajustes para atender tais demandas, desde que não gere encargo excessivo e prejuízo ao desenvolvimento da atividade empresarial, o que deve ser analisado caso a caso.
As primeiras notícias sobre o dever de acomodação nascem nos EUA, 1972, onde o Congresso acresceu um dispositivo Civil rights Act estabelecendo expressamente o dever de acomodação.
A Suprema Corte Norte Americana já se debruçou diversas vezes sobre a questão, asism como o STF e o TST.
Na Europa, seja nos Tribunais Domésticos ou Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), há casos emblemáticos envolvendo mulçumanos, judeus e cristãos, por exemplo, não apenas no que toca ao uso de símbolo religioso, mas também ausência do empregado em dias de festividade religiosa, o preparo da alimentação, horário de trabalho etc.
A título de exmeplo, o Tribunal Constitucional português entendeu, com base no art. 14 da Lei de Liberdade Religiosa, que uma trabalhadora, adventista do sétimo dia, que atuava em turnos ininterruptos, em razão de não poder trabalhar do do por do sol de sexta até o por do sol de sábado, não teria cometido falta em razão de não comparecer no serviço no dia do seu planão que repousava exatamente naquele dia e período.
E breve conclusão, pode-se afirmar que as obrigações contratuais que decorrerem da natureza da relaço jurídico-laboral não podem implicar a supressão da dimensão religiosa do indivíduo enquanto trabalha.
[1] Advogado no Brasil e em Portugal. Membro da Comissão Internacional de Direito do Trabalho da Associação Brasileira de Advogados. Mestre em Direito (Estado, Constituição e Cidadania) pela Universidade Gama Filho. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UniverCidade. Fundador da Escola de Direito da FACHA/RJ. Professor Universitário Licenciado da FACHA/RJ. Fundador do programa de pós-graduação em Advocacia Trabalhista na Prática da Escola de Direito Hélio Alonso (FACHA). Foi Professor Universitário da UniverCidade, Universidade Gama Filho, da Universidade Santa Úrsula/RJ e da Faculdade Lusófona/RJ. Ex-coordenador do Núcleo de Atividades Complementares da Universidade Santa Úrsula e Coordenador Adjunto do Curso de Direito. Professor do Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade UnyLeya. Professor de Cursos de Pós-Graduação da Universidade Santa Úrsula, da Universidade Candido Mendes, da Faculdade UnyLeya, da UNIVEM, do Instituto Nêmesis, do Curso Tríade, do CBEPJUR, da FACHA, da PUC/PR, da UniEvangélica e da Faculdade Legale. Professor de Cursos Livres na Faculdade Vitória em Cristo. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB, Seccional Rio de Janeiro e Subseções. Membro da Comissão de Direito Econômico da OAB/RJ. Ex-Membro do IBDESC e associado à Abrinter. Ex-Presidente da Comissão de Direito do Trabalho Internacional do IBDESC. Membro e Relator do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. Professor de Cursos Preparatórios para Concursos e OAB. Professor do Programa Saber Direito Autor de livros jurídicos e para concursos. Consultor Empresarial Trabalhista no Brasil e em Portugal. Conferencista (Brasil/Portugal). Parecerista. Fundador do Instituto Gênesis. Foi Presidente da Comissão de Direito Constitucional e Estudos Comparados da ABA/RJ. Foi Presidente da Comissão de Direito Constitucional da 1ª Subseção da OAB (Nova Iguaçu/RJ). Foi Vice-Presidente da Comissão de Garantismo Jurídico Processual da OAB/RJ. Foi membro de diversas comissões da OAB. Foi Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB de Duque de Caxias/RJ. Fundador do Instituto Gênesis. Diretor Acadêmico do Instituto Europeu de Pesquisa em Direito – IEPD, com sede em Portugal. Foi professor de Cursos Livros e Pós-graduação na Universidade Estácio de Sá. Membro da ABA Lisboa/Portugal e da Comissão Internacional de Direito do Trabalho da ABA. Direitor e Professor da Escola de Negócios. Instagram: @fagner.sandes
[2] https://www.epedagogia.com.br/materialbibliotecaonine/3614CARTA-ACERCA-DA-T0LERANCIA.pdf