NotíciasTecnologia

Exportação de Estratégias de Desinformação do Brasil para a América Latina

Influência de fake news também é originária dos EUA, Rússia e Espanha na América Latina

Brasillia, 17 de setembro de 2023 – A designação “Mercenários Digitais” foi adotada por 22 redações em toda a América Latina para descrever uma profissão emergente na era da política digital e da internet. Durante mais de seis meses, dezenas de jornalistas de diversos países latino-americanos se dedicaram a investigar os responsáveis pela propagação da desinformação e a identificar as empresas que lucram com essa prática. Recentemente, uma série de reportagens sobre o assunto foi publicada no Brasil pela Agência Pública e pelo UOL.

As descobertas dessa investigação revelam um cenário atual e intrigante, como o caso das primárias na Argentina, que levaram o candidato de direita, Javier Milei, um grande aliado de Eduardo Bolsonaro, ao primeiro lugar com 30% dos votos.

Os “mercenários digitais” não hesitam em vender seus serviços a candidatos de diferentes orientações políticas, e figuras como Bolsonaro e Donald Trump são fontes de inspiração evidentes para eles.

Em ambientes onde há oportunidades, sempre surgem oportunistas em busca de lucro. O marqueteiro argentino Fernando Cerimedo, por exemplo, aproveitou a associação com os Bolsonaro para aumentar sua visibilidade entre grupos de direita na América Latina e expandir sua atuação para políticos no Chile, Argentina e outros países. Ele financiou a viagem de Eduardo Bolsonaro a Buenos Aires durante as eleições presidenciais do ano passado, apenas duas semanas antes de divulgar uma das maiores fake news das eleições brasileiras, alegando que houve “alterações” nas urnas eletrônicas que teriam modificado os resultados da votação.

Embora o vídeo tenha sido removido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após alcançar mais de 400 mil visualizações, a mentira não foi em vão. Foi propagada por deputados bolsonaristas e utilizada como base para um pedido de anulação da votação do segundo turno, uma ação considerada pelo TSE como “litigância de má-fé”. Além disso, essa estratégia ajudou Fernando Cerimedo a conquistar um contrato com o candidato de direita Javier Milei, a quem agora presta serviços questionando a integridade das urnas argentinas.

Em uma entrevista aos jornalistas que conduziram a investigação, Cerimedo admitiu: “Apropriei-me desse papel de consultor da direita latino-americana porque todo mundo tem medo de vestir essa roupa”. Cerimedo foi nomeado chefe de comunicação digital da campanha do presidenciável argentino, que é apoiado por Bolsonaro e Eduardo. Ele ajudou a popularizar o personagem “leão”, como Milei se autointitula, por causa dos cabelos despenteados. Milei se apresenta como um outsider, assim como Bolsonaro fez há quatro anos, como uma figura antissistema. Tanto que Cerimedo afirma trabalhar gratuitamente na campanha.

Além do caso argentino, a investigação revelou que o influenciador bolsonarista Oswaldo Eustáquio, que se encontra foragido da justiça brasileira e com um mandado de prisão pendente, está vivendo no Paraguai e ganhou o apoio do Partido Colorado, um partido de direita que está no poder desde o golpe que derrubou o ex-presidente Fernando Lugo em 2012. Eustáquio fundou um site local chamado Diário do Poder e ajudou o candidato colorado a vencer as eleições com a disseminação de fake news. Eustáquio e outros mercenários digitais afirmaram que hackers brasileiros haviam invadido ilegalmente o Paraguai para cometer uma “fraude informática” e dar a vitória ao candidato da oposição.

Essa mentira foi impulsionada pelo americano Alex Jones, conhecido pelo movimento trumpista, por meio do site The National File. Além de espalhar mentiras no Paraguai, Eustáquio conseguiu o apoio de uma deputada do Partido Colorado para solicitar refúgio no país vizinho.

Outras empresas que trabalham para partidos de esquerda empregam as mesmas estratégias que sustentam a propagação da desinformação. Isso inclui a criação de perfis falsos que compartilham conteúdo coordenado em várias redes sociais, o registro de sites falsos que disseminam histórias falsas e o uso da compra de contas de pequenos influenciadores com seguidores cativos. Essas empresas também impulsionam conteúdos distorcidos em benefício de determinados candidatos ou contra seus oponentes.

Um exemplo é a Neurona, uma empresa de marketing detectada no México. Fundada por César Hernández, um operador político, a Neurona criou e operou 116 sites, dos quais pelo menos 31 tinham comportamento inautêntico, sendo ativados apenas em momentos estratégicos, como durante disputas eleitorais ou campanhas de desinformação específicas. A empresa alega ter trabalhado em 200 campanhas eleitorais em toda a América Latina. Seu fundador já prestou serviços para líderes como Nicolás Maduro, da Venezuela, Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia. Ela operava sites que se autodenominavam noticiosos, mas serviam a propósitos políticos e atualmente estão inativos, com nomes como “Opinión de Oruro”, “El Economista de Bolivia”, “Mirada Transparente”, “El Horizonte de Ecuador” e “Hagámoslo Viral”. Atualmente, a Neurona apoia Adán Augusto López, um aspirante a presidente e afilhado político do presidente Antonio López Obrador.

Além disso, o governo venezuelano contratou outra empresa de manipulação digital, a Venquis, de propriedade do brasileiro André Golabek Sánchez. Através do uso de contas falsas, a Venquis criava perfis fictícios de opositores para disseminar propaganda encoberta, enquanto outras contas falsas promoviam conteúdo favorável ao governo. Outras 357 contas falsas operavam em vários países, incluindo Venezuela, Panamá, República Dominicana e Bolívia. Muitas dessas contas começaram a convidar usuários a se juntarem a um aplicativo chamado VenApp, criado pelo governo de Nicolás Maduro, possivelmente para extrair microdados dos cidadãos venezuelanos e apoiar esforços eleitorais.

A investigação transnacional também identificou operações de desinformação operadas a partir da Espanha, lideradas pelo partido de ultradireita Vox e seu “Foro de Madrid”. Essas operações espalharam fake news sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas do Peru em colaboração com Keiko Fujimori. Além disso, operações semelhantes foram rastreadas até a Rússia, envolvendo a empresa estatal de energia russa e os canais Sputnik e RT, que ampliaram sua influência na Bolívia e na Nicarágua.

Além dos Estados Unidos, onde o Partido Republicano se tornou um centro de propagação de fake news e ataques à democracia pela ultradireita ligada a Donald Trump, a investigação demonstra que não há mais fronteiras nacionais para os operadores de fake news. O sucesso no Brasil inspirou políticos em toda a região, tornando a criação de mentiras um modelo atraente, além de um negócio lucrativo.

As informações desta matéria foi baseada no texto de agosto de 2023, da colunista Natalia Viana, Co-founder, Executive Director @agenciapublica 

 

Artigos Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Botão Voltar ao Topo