Artigos

Compliance e Due Diligence – Proteção Patrimonial para Holdings

  • Introdução

A holding é uma estrutura e estratégia sofisticada utilizada para gerenciar o patrimônio de uma família ou grupo de empresas, com o intuito de proteger e administrar seus ativos.
A criação dessa estrutura pode gerar melhor administração, governança e proteção de ativos imobiliários e investimentos financeiros de seus sócios ou acionistas, mas só será eficiente quando realizada conjuntamente com um programa de compliance e due diligence, a fim de garantir a segurança jurídica adequada para as operações. No âmbito do planejamento patrimonial e sucessório, desempenham um papel fundamental para que o planejamento seja eficaz e bem-sucedido.

  • Due Diligence no Planejamento Patrimonial 

A etapa da due diligence é importante para a avaliação minuciosa dos ativos, passivos e obrigações associadas que possam obstar o projeto, envolvendo uma análise detalhada e coleta de informações da família ou empresa, incluindo propriedades, investimentos, ações cíveis e trabalhistas, negócios jurídicos pactuados, falta de partilha em ações precedentes, situações que possam causar confusão patrimonial, litígios e avaliação para constar se os bens imóveis estão regulares ou irregulares.
Deverá ser observado, ainda, quem são as pessoas que irão compor o planejamento, considerando os regimes de casamento, uniões de fato (casais que convivem em união estável) e a existência de pessoas incapazes – seja por incapacidade relativa ou absoluta. Também é importante definir a melhor maneira de resguardar os direitos e garantir os cuidados necessários a essas pessoas, estabelecendo eventuais cuidados especiais, tratamentos médicos, nomeação de administradores ou curadores, bem como a destinação de rendimentos ou bens específicos.

No caso de pessoas adictas, ébrias ou pródigas, é possível incluir restrições de de pouco ou forte bloqueio na administração de bens. Tais restrições podem ser implementadas por meio de estruturas internacionais, como offshores e trusts, com a indicação de um trustee, que será responsável por administrar e cumprir os termos estabelecidos no trust.

  • Análise Documental 

As análises deverão ser realizadas tanto em relação à pessoa física dos envolvidos quanto à pessoa jurídica (caso já exista), abrangendo contratos particulares ou públicos, análise de contrato social ou estatuto social, matrículas imobiliárias, contratos em vigor, tais como locação, arrendamento, comodato, permuta, parceria rural, cessão de direitos, financiamentos, além da análise de gravames, penhoras, restrições e usufrutos pré-existentes.

Além disso, é necessária a verificação e análise das composições legislativas, normas e requisitos previstos na legislação brasileira, resoluções e instruções normativas do DREI e, nos casos de empresas de capital aberto, também devem ser observadas as regras disciplinadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

No que se refere à análise contábil, é imprescindível o estudo da declaração de imposto de renda, análise do balanço contábil e relatórios financeiros, como o valuation.

Em estruturas que envolvam cisão, fusão, incorporação ou operações de M&A, deve-se, ainda, considerar o relatório de auditoria ou valuation das empresas envolvidas.

Nas palavras de SADDI, Jairo o procedimento de Due Diligence no âmbito corporativo é expresso da seguinte forma: 

“O processo de Due Diligence é uma arte em si para avaliar todos os aspectos jurídicos envolvendo certa empresa a fim de determinar se cada prática do negócio está ou não suscetível a eventualidades, para ser capaz de entender quão frágeis ou fortes certas relações corporativas podem ser, sem nunca perder de vista os interesses e necessidades dos participantes. Coordenar uma Due Diligence é de alguma forma dirigir o perfil da vida corporativa”. ¹

4.Estruturação de Programas de Compliance

No que diz respeito ao compliance, este se torna fundamental para assegurar que todas as atividades e transações relacionadas ao patrimônio estejam em conformidade com as leis, regulamentos e padrões éticos aplicáveis. Isso inclui a identificação e o cumprimento de obrigações fiscais, regulatórias e legais, evitando potenciais consequências judiciais ou financeiras decorrentes de uma confusão patrimonial.

Ao implementar um programa de Compliance, são estabelecidos padrões técnicos e de conduta que identifiquem riscos e implementação de mecanismos de prevenção e resposta as irregularidades, objetivando maior transparência e confiabilidade na formação de uma holding, aplicando e seguindo preceitos da Lei 12.846/2013, a fim de evitar responsabilizações nas esferas administrativas, cível ou penal em decorrência de práticas ilícitas junto à administração pública. 

A responsabilização e as penalidades de natureza administrativa não afastam a possibilidade de sanções nas esferas judiciais, caso sejam constatadas práticas ilícitas ou contra legem, conforme se verifica:

Art. 18 – Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial.”

Já acerca do polo ativo para requerer sanções e responsabilização das pessoas jurídicas, o artigo 19 da Lei descreve o seguinte: 

“Art. 19 – Em razão da prática de atos previstos no Art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

III – dissolução compulsória da pessoa jurídica;

IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

  • 1º – A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:

I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou

II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

  • 3º – As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa.
  • 4º – O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, conforme previsto no Art. 7º, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.”

A importância da implementação de um programa de compliance e de um processo de due diligence no contexto do planejamento patrimonial e sucessório reside na minimização de riscos, na proteção dos interesses familiares e na preservação do patrimônio ao longo das gerações. Ao adotar uma abordagem proativa e diligente, é possível mitigar potenciais litígios, disputas familiares e implicações negativas para a estabilidade financeira — aspectos essenciais para um planejamento patrimonial e sucessório eficaz.

A adoção dessas práticas assegura a conformidade legal e possibilita uma avaliação abrangente da situação patrimonial, considerando cuidadosamente cada etapa do processo e promovendo a integração dessas medidas ao planejamento. Dessa forma, promovendo a tranquilidade e a proteção dos interesses da geração atual, bem como das futuras gerações, que poderão se beneficiar das decisões e condutas adotadas no presente.

A implementação do compliance tem como objetivo fundamental garantir o cumprimento da legislação vigente, assegurando que a holding atue em consonância com as leis e regulamentos aplicáveis, incluindo normas fiscais, contábeis, trabalhistas e regulamentações financeiras, entre outras. O descumprimento dessas obrigações pode acarretar penalidades, multas e prejuízos à reputação da holding.

  1. Prevenção de riscos 

Por meio de um programa de compliance, é possível implementar medidas eficazes para proteger o patrimônio contra riscos como fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros. Isso se dá por meio do estabelecimento de controles internos, adoção de políticas de due diligence, monitoramento de transações e aplicação de medidas de segurança.

Um programa de compliance permite implementar medidas eficazes para proteger o patrimônio contra riscos como fraudes, corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros, através de controles internos, políticas de due diligence, monitoramento de transações e medidas de segurança.

O programa de compliance também promove a transparência e a boa governança na gestão do patrimônio da holding, aliando-se à definição de processos claros de tomada de decisão, à segregação de funções, à implementação de conselhos, à criação de protocolos familiares e à adoção de políticas destinadas a evitar conflitos de interesses.

 

  1. Desconsideração da personalidade jurídica 

Embora não seja possível afirmar categoricamente que todos os riscos são blindados, em razão da insegurança legislativa e dos entendimentos divergentes das cortes e órgãos fiscalizadores assim como da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em casos de abusos ou manipulação fraudulenta, a implementação de um programa de compliance e decisões assertivas podem trazer benefícios e promover o crescimento saudável dos ativos da holding

No que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência pode adotar tanto a Teoria Maior quanto a Teoria Menor, conforme a seguir:

 

“1. A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica deve ser excepcional, sendo a regra a preservação da autonomia patrimonial, devendo ser deferida quando presentes os requisitos do Art. 50 do Código Civil. 2. O ordenamento jurídico adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica a qual exige prova do desvio de finalidade da sociedade ou a confusão patrimonial entre o patrimônio dos sócios e o da sociedade empresária.” Acórdão 1369154, 07090171820218070000, Relator: ROBERTO FREITAS, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 31/8/2021, publicado no DJE: 17/9/2021.

Já a Teoria Menor vem sendo comumente aplicada em ações que tramitam nas cortes trabalhistas ou cíveis, especialmente em relações de consumo, com base no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e deve ser um ponto de atenção na fase de planejamento. 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. INCIDENTE. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 28, § 5º, DO CDC. TEORIA MENOR. ADMINISTRADOR NÃO SÓCIO. INAPLICABILIDADE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA . POLO PASSIVO. EXCLUSÃO. (…)2. Para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados.3. A despeito de não exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor. Precedente. Recurso especial provido. STJ – REsp: 1862557 DF 2020/0040079-6, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 15/06/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2021. 

A implementação de um compliance e due diligence por profissionais capacitados pode reduzir e evitar problemas que podem surgir no âmbito sucessório e societário, como o falecimento de um ente querido ou sócio. Tais práticas auxiliam na resolução de desentendimentos, definição de critérios para a saída de sócios, apuração de haveres, liquidação de cotas, bem como, eficiência tributária e redução da carga de tributos no planejamento sucessório, permitindo a reserva de frutos e poderes políticos ao patriarca ou à matriarca de maneira estratégica e segura. 

O instrumento da holding, quando implementado em conjunto com sistemas de boas práticas e governança, possibilita o crescimento sadio da empresa. Segundo Josh Baron e Rob Lachenauer, o intelecto, inteligência emocional, coragem e boas práticas tornam os relacionamentos mais profundos e gratificantes, fazendo com que a empresa e a comunidade se beneficiem. ²

Uma empresa bem administrada pode aumentar significativamente seus ativos e, ao ser direcionada estrategicamente, contribuir para a geração de empregos e o crescimento econômico. Além disso, pode ser utilizada para implementação de programas de ESG (Environmental, Social and Governance) – a tríade que envolve o conjunto de padrões e boas práticas na área ambiental, social e de governança. Tal direcionamento é comum entre grandes empresas e gera prestígio e boa visibilidade no mercado. 

Ao transferir os ativos para uma holding, esses bens passam a estar separados do patrimônio pessoal, reduzindo os riscos de responsabilização pessoal em caso de dívidas ou processos judiciais não relacionados aos negócios daquela empresa. 

  1. Segregando riscos  

Ao constituir uma holding para a organização patrimonial familiar, recomenda-se a segregação entre operações que envolvem riscos e não riscos, como é o caso de imóveis e determinados ativos. O mais indicado é manter as atividades de risco apartadas do patrimônio familiar, protegendo os bens contra eventuais passivos.

Em algumas situações, contudo, essa estratégia pode ser revista de forma pontual e estratégica, especialmente quando houver possibilidade de otimização tributária, como a obtenção de imunidade do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). Nesses casos, a análise criteriosa das vantagens e desvantagens dessa integralização torna-se fundamental para garantir a máxima eficiência na estruturação patrimonial.

  1. Análises e Estratégias 

Para que a holding  seja eficiente, é fundamental prever um planejamento sucessório, societário e tributário, sempre alinhado à contabilidade. Esse planejamento pode ser complementado com outros instrumentos para obtenção das melhores vantagens, tais como: elaboração de contratos, acordos, testamento, indicação de seguro, investimentos, pacto antinupcial, reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica, socioafetiva e multiparental, instituição do fideicomisso, protocolos, integralização da nua propriedade com reserva de usufruto, instituição de alimentos, usufruto com direito de acrescer, cláusulas protetivas – de reversão, restrições através da instituição de poderes políticos, adoção de uma sociedade anônima(AS), ou ainda, o uso subsidiário da Lei das Sociedades Anônimas(SA) em uma Sociedade Limitada(LTDA), com inserção de cláusulas supletivas com a inserção de cláusula arbitral, Golden Share,  Call Option, Tag Along, Drag Along e demais cláusulas estratégicas comumente usadas em contratos societários 

Outro instrumento jurídico relevante, frequentemente considerado equivocadamente como vilão, é o próprio inventário. Ele pode ser adotado de forma estratégica para resolução de pontos sensíveis ou de difícil solução naquele momento. Quando bem estruturado e convencionado, pode diminuir custos e prevenir conflitos familiares futuros.

Quanto aos benefícios fiscais, a criação de uma estrutura como a holding pode otimizar e reduzir o pagamento de tributos, por meio de estratégias como a distribuição de lucros e dividendos aos sócios—os quais, nesse caso, não estarão sujeitos ao imposto de renda sobre referidos valores—além da escolha do regime societário mais favorável, viabilizada por um planejamento tributário eficiente.

É preciso atentar-se à escolha correta do tipo societário, do regime tributário e de que forma se dará a integralização e alocação desses bens, para maximizar a eficiência fiscal. O contrário, ou seja, o uso inadequado e predatório de holdings, pode elevar substancialmente os custos para o contribuinte.

Outra vantagem de uma holding bem estruturada e de boa reputação é a facilidade em atrair investidores, viabilizando a captação de recursos financeiros por meio de empréstimos bancários, emissão de títulos ou parcerias estratégicas. Isso ocorre porque a holding oferece maior segurança e garantias a investidores e credores. 

O compliance ainda objetiva identificar a intenção dos sócios em relação à possibilidade de implementação de medidas, projetando riscos presentes e futuros—como, por exemplo, a continuidade da administração dos bens e o recebimento dos frutos—mitigando riscos e prevenindo perdas, inclusive com a utilização de cláusulas de reversão, que permitem a retomada das quotas e retorno ao status quo em caso de descumprimento de obrigações contratuais ou falecimento do sócio donatário (quem recebeu as quotas por doação). 

Por fim, o profissional qualificado pode apresentar soluções estratégicas para situações e ocorrências sequer imaginadas pelo cliente, pessoa leiga, e que podem gerar significativas perdas financeiras e desgastes emocionais—estes, muitas vezes, mais custosos do que as próprias perdas patrimoniais.

  1. Alterações Legislativas  – Reforma Tributária e Reforma do Código Civil. 

No contexto atual, é fundamental considerar a pretensão das partes, a transição da Reforma Tributária e as mudanças a serem introduzidas pela Reforma do Código Civil. Entre as principais alterações previstas, destacam-se as mudanças nas regras do Direito de Família, Civil e de Sucessões – especialmente em casos de divórcio e abertura de sucessão –, como, por exemplo, a possibilidade de o cônjuge receber os frutos da sociedade e o direito à valorização das quotas da empresa, novos critérios para avaliação das quotas em caso de divórcio e alteração da ordem de vocação hereditária do cônjuge, que deixará de ser herdeiro necessário.

Nesse cenário, recomenda-se a elaboração de contratos com cláusulas que resguardem a vontade das partes quanto à manutenção ou renuncia em aos frutos da sociedade, bem como o estabelecimento de arranjos estratégicos e utilização de cláusulas de transição, como as cláusulas de “change in law” típica do direito americano e frequentemente adotada em contratos comerciais para prever situações atípicas e de mudanças legais.

O programa de compliance deve considerar as alterações trazidas pela Reforma Tributária (Emenda Constitucional 132/2023) e pelas normas complementares que definem novas regras de transição, impactando diretamente o planejamento patrimonial e, em especial, as pessoas físicas que recebem aluguéis imobiliários. A Lei Complementar 124/2025, por exemplo, instituiu os novos tributos IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), os quais substituirão ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, além de trazer regras para a formação do Comitê Gestor do IBS e da CBS. 

Há ainda projetos em tramitação, como o PLP 108/2024, e legislações estaduais que preveem o aumento progressivo da alíquota do ITCMD, podendo chegar a 8% conforme disposto na EC 132/2023, sem restrição ou limite máximo, já que a norma estabelece apenas uma alíquota mínima. Dessa forma, fica a critério de cada estado a possibilidade de majoração dessas alíquotas acima desse patamar. 

  1. A Holding como estratégia para aproveitamento de créditos

É fundamental analisar a pertinência e a constituição de holdings imobiliárias visando a utilização dos novos sistemas de créditos, como o cashback e o split payment, que ganharão relevância após a formação do Comitê Gestor. Essas alternativas serão especialmente atrativas para as relações comerciais e para a utilização de créditos tributários, sejam eles decorrentes de locações, compra e venda ou aquisição de materiais para construção civil.

Ressalta-se que, no caso específico da apropriação de créditos sobre materiais de construção civil, é imprescindível que a empresa tenha como objeto social a atividade de construção, a fim de garantir a apropriação regular desses créditos.

  1. Temas polêmicos

Outro ponto de atenção refere-se ao entendimento de temas polêmicos pelos tribunais superiores, que impactam diretamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios. Entre eles destacam-se: o Tema 796 do STF, Tema 1214 do STF, Tema 1113 do STJ, COSIT 347/2017, COSIT 38/2018, COSIT 68/2020, além de temas de repercussão geral que ainda aguardam julgamento, como o Tema 1348 do STF, que discutirá a imunidade do ITBI na integralização de capital social em holdings imobiliárias, conforme o artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal. A decisão irá esclarecer se, nos casos de holdings patrimoniais com atividade de locação ou de compra e venda de imóveis, a imunidade será condicionada ou não à preponderância da atividade imobiliária.

Há uma grande confusão entre profissionais devido à variedade de entendimentos, muitas vezes conflitantes, entre a legislação (que pode ser omissa ou permitir diversas interpretações), a jurisprudência dos tribunais e cortes superiores, as disposições do DREI (Departamento de Registro Empresarial e Integração), interpretações do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), além da postura das fazendas municipais, sobretudo em pedidos de imunidade tributária do ITBI — frequentemente com avaliações supervalorizadas de forma ilegal.

Diante desse cenário de mudanças legislativas, torna-se imprescindível que os planejamentos patrimoniais e societários sejam revisados e submetidos a um processo de compliance, de modo a adequá-los à nova legislação e prevenir a ocorrência de tributos inesperados. Destaca-se, por exemplo, o uso de imóvel pertencente à holding por sócios ou parentes, sem estratégias contratuais e tributárias adequadas, o que pode acarretar a incidência dos impostos IBS e CBS.

Nas operações e aquisições onerosas de bens ou quotas, é obrigatória a comprovação da origem dos recursos, sob pena de caracterização de simulação. Cabe atenção também à forma de distribuição de lucros: a distribuição desproporcional de lucros ou dividendos exige que se observe o propósito negocial e a periodicidade dos recebimentos, para evitar a configuração de crimes tributários ou de sonegação, já que essas operações podem ser reclassificadas como doação, implicando a incidência de ITCMD. Esse entendimento foi recentemente reforçado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.3

CONCLUSÃO 

Das situações que causam embaraços e atingem os planejamentos patrimoniais e sucessórios, a falta de regras claras é a que mais dificulta as execuções dos projetos. Esse contexto compromete não apenas o livre exercício da atividade econômica previsto no artigo 170 da Constituição Federal e consolidado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), como também exige acompanhamento, estudo e atenção constantes por parte dos advogados e demais profissionais atuantes nesse mercado.

As decisões proferidas pelas cortes e órgãos fiscalizadores, em diversas ocasiões, são baseadas em juízos de valor subjetivos, muitas vezes imputando deveres e obrigações não previstos em lei. Tal cenário cria um ambiente de insegurança jurídica, preocupando pessoas, empresas e investidores, além de impactar negativamente as negociações e o desenvolvimento saudável da economia do país. Diante disso, a realização de due diligence e a implementação de um programa de compliance tornam-se indispensáveis para minimizar impactos negativos, identificar pontos de atenção que possam afetar o planejamento patrimonial e conferir respaldo técnico para combater arbitramentos ilegais, além de orientar corretamente quanto ao uso da holding e de outros instrumentos.

Em artigo jurídico e no livro “Holding Familiar e Suas Vantagens”, os autores Eduarda, Roberta e Gladston Mamede definem o momento que antecede a execução e análise prévia para indicação da holding e das ferramentas adequadas como “sintomatologia jurídico-patrimonial”, afirmando;

“É neste contexto que se coloca um dos aspectos práticos mais cruciais que devem anteceder o manejo, ou não, da holding a bem de uma família: a indispensabilidade de procedimentos voltados à percepção da sintomatologia jurídico-patrimonial específica de cada situação dada para, (1) definir se a ferramenta adequada é efetivamente uma holding, e (2) estabelecer as balizas que deverão ser atendidas na arquitetura corporativa a se projetar, incluindo elementos específicos de engenharia jurídica, levando em conta eventuais variantes e condicionantes de maior dimensão.

Em oposição ao modismo reinante, é preciso deixar claro que holding não é instrumento que sirva a qualquer caso, que resolva qualquer situação. Então o primeiro passo é fazer um levantamento dos sintomas que trazem o cliente ao especialista. Noutras palavras, o primeiro passo é perscrutar o que ele sente: o que o preocupa, o que o incomoda, o que lhe dói, o que almeja, o que sonha e o que pretende.

Daí falamos em sintomatologia: quais são os sintomas jurídicos do cliente (ou, se preferir, do paciente jurídico); afinal, a sintomatologia é a disciplina que se ocupa do levantamento de sinais e sintomas, bem como de sua interpretação.” 4

Outro fator positivo na criação de uma holding é a maior confidencialidade e privacidade dos sócios, proporcionando uma camada adicional de proteção à identidade dos acionistas, limitando a exposição pública de informações pessoais e prevendo soluções que facilitam a resolução de conflitos futuros.

Os benefícios advindos do planejamento patrimonial e sucessório, bem como da constituição de uma estrutura como a holding — que pode ser utilizada para preservação patrimonial, organização societária, sucessória, tributária e de governança corporativa — tornam essa escolha bastante vantajosa. Contudo, é imprescindível que o planejamento seja precedido por um processo de compliance e due diligence, a fim de estejam em conformidade com as normas legais vigentes. Assim, deve ser conduzido por meio de estratégias personalizadas, prevenindo desgastes emocionais e financeiros, permitindo atingir máxima eficiência, aumento dos ativos e preservação do legado familiar.

 

Referências:

BRASIL. Emenda Constitucional n.º 132, de 20 de dezembro de 2023. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc132.htm. Acessado em: Abril/2025.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acessado em: Abril/2025. 

 

BARON, Josh e LACHENAUER Rob, Manual de Empresas Familiares – Como construir uma Empresa Bem-Sucedida e Duradoura – Harvard Business Review.

MAMEDE, Gladson. Semiologia do direito: tópicos para um debate referenciado pela animalidade e pela cultura. 3. Ed. São Paulo. Atlas. 2009. 

_______. Holding Familiar e suas vantagens. Planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. Barueri. Grupo Gen,2022.

SADDI, Jairo(Organizador). Fusões e Aquisições. Aspectos Jurídicos e Econômico. São Paulo. IOB, 2002, p.205.

TOMAZETTE Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral do direito societário. V1. São Paulo: Saraiva Jur, 2024.

TARTUCE, Flávio; Direito Civil. Direito das Sucessões. Grupo Gen, 2025. 

ULHOA, Fábio, Ana Frazão e outros. Lei das Sociedades Anônimas Comentada. 3º edição. Grupo Gen, 2024.





Pâmela de Moraes Rosa. 

Advogada, palestrante, há mais de 20 anos atuando no mundo corporativo.

Graduada pela Faculdade de Direito de Itu, Pós graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas(FGV), Direito Imobiliário pela LFG e MBA em Acordos Societários e Holding pela EBPÓS. 

Membra da Comissão Nacional de Planejamento Patrimonial e Sucessório da ABA; Comissão de Planejamento Sucessório e Holding da OAB de São Paulo; Comissão da Mulher da 24º subseção da OAB/SP. Grupo de Trabalho e Estudos da Reforma Tributária da OAB/GO e de Contabilidade Tributária da AGET. 

 

Artigos Relacionados

Botão Voltar ao Topo