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A Crise Silenciosa da Advocacia Privada — e o Desafio que Ninguém Quer Enfrentar

Por Esdras Dantas de Souza

Nos últimos anos, a advocacia brasileira tem vivido uma transformação profunda — e não exatamente para melhor. Para muitos profissionais, sobretudo no interior do país, a sensação é clara: o espaço do advogado privado está sendo comprimido, sufocado, diminuído a cada nova disputa institucional. Não é apenas uma mudança de mercado; é uma mudança de lógica, de ambiente, de ecossistema profissional. E, enquanto isso acontece, cresce o silêncio em torno de um problema que impacta diretamente a subsistência de milhares de advogados e suas famílias.

A realidade é dura: a advocacia privada está sendo ameaçada por um fenômeno que poucos têm coragem de expor com honestidade. Falo aqui do avanço cada vez mais agressivo das defensorias públicas — tanto estaduais quanto federais — sobre áreas tradicionalmente ocupadas por advogados. Não se trata de questionar a importância da Defensoria, que tem um papel constitucional incontestável. O problema está na sua atuação expansiva, voltada não apenas para o atendimento dos necessitados, mas também para a busca de honorários de sucumbência, o que vem criando um verdadeiro desequilíbrio no sistema de justiça.

 

A disputa pelo cliente — e a ferida que ninguém quer reconhecer

Imagine um acidente de grande repercussão em uma cidade pequena. Os advogados locais, conhecendo as famílias, escutando as dores, prestando atendimento imediato, mobilizam seus escritórios. E então, antes que esses profissionais consigam protocolar qualquer medida judicial, chega a Defensoria Pública, propõe uma ação coletiva e, na prática, arranca das mãos desses advogados a possibilidade de exercer seu ofício.

Isso tem acontecido — repetidas vezes.

E o mais grave: muitos defensores públicos nem sequer são inscritos na OAB, porque a legislação não os obriga. Recebem salários elevados, têm estabilidade, estrutura estatal e, ainda assim, disputam no mesmo campo dos advogados privados o que deveria ser, pela própria lógica da Constituição, território da advocacia tradicional.

Enquanto isso, o advogado privado — sobretudo aquele que vive longe dos grandes centros — sofre com:

  • falta de clientes
  • concorrência institucional desproporcional
  • ausência de proteção efetiva
  • honorários aviltados
  • ações coletivas substituindo a atuação individual

É uma realidade conhecida por todos, comentada nos corredores, nos grupos de WhatsApp, nos cafés dos fóruns — mas raramente enfrentada com seriedade no debate público.

Um sistema de justiça desequilibrado não serve a ninguém

Um ecossistema profissional saudável exige equilíbrio.
Quando um órgão estatal, com orçamento, estrutura e salário público, passa a disputar o mesmo espaço econômico dos profissionais privados — o resultado é o colapso silencioso que já estamos vivendo.

E não se trata de atacar a Defensoria. Trata-se de reconhecer que:

  • ela cumpre uma missão essencial;
  • mas não pode ultrapassar os limites dessa missão;
  • tampouco pode se transformar em uma “concorrente estatal” da advocacia privada.

O que temos hoje é um modelo que ameaça a sobrevivência econômica da categoria mais numerosa do sistema de justiça: os advogados privados, que são, historicamente, os responsáveis por defender direitos, movimentar processos, construir jurisprudência e manter vivo o acesso à justiça em todas as regiões do país.

Quem fala pelo advogado hoje?

É aqui que eu convido o leitor a uma reflexão profunda.

O advogado privado — o que abre escritório com dificuldade, paga aluguel, imposto, contabilidade, anuidade, estuda, batalha, enfrenta prazos, dá plantão, vive de honorários incertos — está praticamente sozinho.

Os advogados públicos possuem entidades fortíssimas, articuladas, mobilizadas, com agendas políticas claras. Já o advogado particular, que depende do seu trabalho para sobreviver, vê-se desamparado. Ele não tem salário, não tem estabilidade, não tem estrutura estatal, não tem segurança jurídica sobre seu próprio mercado de atuação.

E, mesmo assim, é ele quem sustenta o sistema.

Por isso, é impossível falar dessa crise sem reconhecer que faltou proteção, faltou defesa, faltou coragem institucional para enfrentar esse desequilíbrio. Não se trata de atacar instituições, mas de exigir o debate que a categoria merece.

A advocacia só será respeitada quando decidir se respeitar

Chegou a hora de levantar essa discussão com maturidade e firmeza.
Não é sobre corporativismo, é sobre justiça.
Não é sobre reclamar, é sobre reposicionar uma profissão inteira.

A advocacia privada precisa recuperar seu espaço constitucional, sua dignidade e seu direito de exercer sua atividade sem ser atropelada por estruturas públicas que, muitas vezes, extrapolam suas funções essenciais.

E isso só será possível quando cada advogado, cada entidade e cada liderança decidir que a defesa da classe não é opcional — é urgente.

Conclusão: o futuro da advocacia depende de quem tiver coragem de agir agora

A advocacia brasileira está diante de uma encruzilhada.
Ou encara este problema com clareza e estratégia,
ou continuará perdendo terreno para estruturas públicas cada vez mais fortes, organizadas e interessadas em áreas tradicionalmente privadas.

 

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