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Pejotização: A Controvérsia e Sua Repercussão nos Tribunais Brasileiros

Por Esdras Dantas

Nos últimos anos, a prática da pejotização tem sido objeto de intenso debate no Brasil, tanto no meio jurídico quanto no mercado de trabalho. Essa prática envolve a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas (PJs) ao invés de empregados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com o objetivo de reduzir encargos trabalhistas e tributários. Embora possa parecer vantajosa para empresas e, em alguns casos, para os próprios trabalhadores, a pejotização, quando usada de maneira fraudulenta, gera sérios problemas e prejudica direitos fundamentais dos trabalhadores.

O Que é a Pejotização?

A pejotização ocorre quando um trabalhador é contratado por uma empresa como prestador de serviços por meio de uma pessoa jurídica, mesmo quando a relação de trabalho preenche os requisitos para ser regida pela CLT. De acordo com a legislação trabalhista brasileira, para que seja caracterizado um vínculo empregatício, devem estar presentes os seguintes elementos:

  • Pessoalidade: O trabalhador presta o serviço pessoalmente, sem poder delegar a terceiros.
  • Habitualidade: O trabalho é prestado de maneira contínua, e não esporádica.
  • Onerosidade: O trabalhador recebe uma remuneração pelo serviço prestado.
  • Subordinação: O trabalhador está sob o comando e controle direto da empresa.

Quando esses elementos estão presentes, a relação de trabalho deveria ser formalizada sob o regime da CLT, garantindo ao trabalhador direitos como férias remuneradas, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), contribuição previdenciária, entre outros. No entanto, na pejotização, a empresa evita esses encargos ao contratar o trabalhador como PJ, o que reduz significativamente os custos para a empresa, mas retira os direitos fundamentais do trabalhador.

A Repercussão da Pejotização nos Tribunais

A pejotização tem sido cada vez mais levada aos tribunais brasileiros, e o tema ganhou relevância no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Esses tribunais têm analisado a legalidade da prática em diferentes contextos e setores, e suas decisões têm buscado proteger os direitos dos trabalhadores quando fica comprovada a fraude na relação de trabalho.

No TST, a jurisprudência consolidada tem sido no sentido de que, se os requisitos de uma relação de emprego estão presentes (pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação), a contratação como PJ configura fraude à legislação trabalhista. Em tais casos, o tribunal tem reconhecido o vínculo empregatício, obrigando a empresa a regularizar a situação e a pagar os direitos devidos ao trabalhador.

Por outro lado, o STF também tem sido acionado para se pronunciar sobre casos de pejotização, especialmente em relação à constitucionalidade de práticas que buscam flexibilizar o regime trabalhista no Brasil. O Supremo tem reforçado o princípio da dignidade da pessoa humana e a necessidade de proteção dos trabalhadores contra abusos que resultem na privação de seus direitos fundamentais.

A Opinião do Ministro Alexandre de Moraes

Durante as discussões sobre o tema na 1ª Turma do STF, o ministro Alexandre de Moraes criticou  a prática de trabalhadores que, inicialmente, concordam com a contratação como PJ e posteriormente ingressam com ações trabalhistas pleiteando o reconhecimento de vínculo empregatício. Moraes argumenta que, nesses casos, o trabalhador, ao aceitar o modelo de contratação, também está se beneficiando ao não pagar tributos que seriam devidos em uma relação formal de trabalho. Para ele, ao acionar o Poder Judiciário buscando o vínculo empregatício, o trabalhador deveria ser responsável por pagar os tributos que deixou de recolher durante o período da prestação de serviços.

Essa posição abre um debate sobre a responsabilidade do trabalhador na pejotização, destacando que, em muitos casos, a aceitação inicial do contrato como PJ não é uma imposição direta, mas uma escolha. O ministro sugere que, ao pedir o reconhecimento de vínculo, deveria haver uma compensação tributária, de modo a equilibrar a equação de direitos e deveres. Essa perspectiva provoca uma reflexão mais ampla sobre a autonomia do trabalhador e os impactos fiscais dessa prática para o Estado.

O Caso das Plataformas Digitais

Um exemplo marcante da repercussão da pejotização nos tribunais brasileiros tem sido o debate em torno dos trabalhadores de plataformas digitais, como motoristas de aplicativos de transporte e entregadores de delivery. Em muitos desses casos, esses trabalhadores são contratados como autônomos ou prestadores de serviço por meio de PJ, o que levanta questões sobre a sua subordinação e dependência em relação às empresas para as quais prestam serviço.

Os tribunais têm discutido se, nesses casos, os trabalhadores são efetivamente autônomos ou se há subordinação que caracterizaria um vínculo de emprego. Embora a questão ainda esteja sendo amplamente debatida, o STF e o TST têm demonstrado uma preocupação com o potencial de precarização dessas relações, reforçando a importância de analisar cada caso à luz dos princípios da proteção ao trabalhador.

A Importância da Jurisprudência para o Futuro das Relações de Trabalho

O impacto das decisões do STF e do TST sobre a pejotização é de extrema importância para o futuro das relações de trabalho no Brasil. Enquanto algumas empresas buscam maior flexibilidade nas contratações para reduzir custos, os tribunais têm reforçado a necessidade de equilíbrio entre inovação e proteção ao trabalhador.

A jurisprudência dessas cortes deve continuar a influenciar o comportamento das empresas, que precisam se adaptar às exigências legais para evitar riscos de passivos trabalhistas. Ao mesmo tempo, é fundamental que os trabalhadores estejam atentos aos seus direitos e, quando necessário, recorram ao Judiciário para que sejam assegurados.

Conclusão

A pejotização é uma prática que, embora possa trazer vantagens fiscais e operacionais, pode se tornar um instrumento de precarização do trabalho quando utilizada de forma fraudulenta. Os tribunais brasileiros, em especial o TST e o STF, têm analisado com rigor as situações em que a pejotização é utilizada para mascarar uma relação de emprego, buscando sempre proteger os direitos dos trabalhadores e garantir que eles tenham acesso aos benefícios previstos pela legislação trabalhista.

No entanto, o debate trazido por figuras como o ministro Alexandre de Moraes ressalta a necessidade de uma análise mais ampla sobre as responsabilidades de ambas as partes — empresas e trabalhadores — nesse processo. Ao sugerir que o trabalhador que pleiteia o reconhecimento de vínculo também deveria arcar com os tributos não recolhidos, Moraes levanta um ponto relevante sobre a justiça tributária no contexto da pejotização. O desafio atual está em equilibrar a modernização das relações de trabalho com a preservação dos direitos fundamentais, garantindo que a flexibilização das contratações não resulte em perda de garantias trabalhistas e que a prática seja tratada de forma justa e equitativa para todas as partes envolvidas.

 

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