
Assisti hoje ao filme “Ainda Estou Aqui”, que retrata a história de Rubens Paiva, um dos episódios mais dolorosos e simbólicos da vida política brasileira. O roteiro é duro, a narrativa é precisa e a interpretação de Fernanda Torres, premiada por seu desempenho, dá à obra uma densidade rara — dessas que fazem a gente se calar um pouco depois dos créditos finais.
E foi nesse silêncio que me vieram à mente lembranças de 1986, quando, ainda jovem advogado e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, fui designado para acompanhar, em nome da OAB, os depoimentos das testemunhas do caso Rubens Paiva, por solicitação do então Procurador-Geral da Justiça Militar. O Brasil ainda vivia as sombras do regime militar, e cada ato em defesa da verdade era, de algum modo, um ato de resistência.
Guardo até hoje a portaria que me designou para essa missão — Portaria nº 033/86, assinada pelo presidente da OAB/DF. Um simples documento administrativo, é verdade, mas que carrega uma das maiores lições que aprendi na vida: a advocacia não é apenas uma profissão — é um compromisso com a dignidade humana e com a democracia.
Não se tratava, naquela ocasião, de fazer discursos ou de ocupar palcos. Tratava-se de ouvir. De registrar. De testemunhar a história. E de cumprir, em silêncio, o papel que a OAB sempre teve nas horas mais difíceis da nação: ser a voz serena que defende o Estado de Direito, mesmo quando a verdade ainda é perigosa.
Ver “Ainda Estou Aqui” hoje, tantos anos depois, me trouxe a certeza de que a democracia é um valor que se renova em cada geração, e que o nosso dever — como advogados, cidadãos e líderes — é manter viva a chama da liberdade, do respeito e da verdade.
Costumo dizer aos jovens advogados que a grandeza da advocacia não está apenas nas causas que vencemos, mas nas causas que escolhemos defender. E a causa da liberdade é, sem dúvida, a mais nobre de todas.
A história de Rubens Paiva não é apenas a de um homem. É a lembrança de que o Brasil já conheceu tempos em que a coragem não era grito — era silêncio. E que, graças à advocacia, esse silêncio foi, pouco a pouco, transformado em voz.
Hoje, olhando para trás, vejo que aquele jovem advogado que um dia acompanhou as testemunhas de um caso histórico acabou aprendendo algo maior: que servir à Justiça é, no fundo, servir à humanidade.
E é com esse espírito — o mesmo de 1986 — que sigo trabalhando, agora à frente da Associação Brasileira de Advogados, acreditando que a democracia se fortalece quando a advocacia se levanta em favor da verdade, da ética e do respeito entre os homens.
🕊️ “Há memórias que não se apagam — e há princípios que não envelhecem.” – Esdras Dantas de Souza



