Leilão de imóvel com usufruto
Por: Joyce Loyola
Muito tem se falado ultimamente sobre leilões.
Mas, um famoso Direito Real tem tirado o sono dos arrematantes e advogados que prestam assessoria para leilões: o usufruto.
Ao se deparar com uma matrícula de imóvel gravada com usufruto, as pessoas já riscam o imóvel da lista e nem fazem análise de viabilidade jurídica.
Mas será mesmo o melhor caminho?
Tendo em vista o excessivo aumento da concorrência nos leilões, devemos voltar os olhos justamente para oportunidades que, num primeiro momento, não parecem boas aos olhos de pessoas menos experientes.
Devemos pensar “fora da caixa” para aproveitar as oportunidades menos concorridas.
Primeiro, devemos relembrar rapidamente o que é usufruto.
O usufruto é um Direito Real previsto no Código Civil, que permite que uma terceira pessoa possa usar, gozar e fruir dos frutos e utilidades de um bem alheio, sem que se torne proprietário, ou seja, sem poder dispor do bem.
Ou seja, confere ao usufrutuário o direito de usufruir dos bens e dos frutos de propriedade de outra pessoa, chamada de nu-proprietário.
Porquê, nu-proprietário? Porque ele tem a propriedade nua, despida do direito de usar e gozar do bem. Ele pode vender a propriedade, mas não pode usufruir dela, nem vender o direito de usufruir.
É um direito que pode ser estabelecido de forma temporária ou vitalícia.
DA EXTINÇÃO DO USUFRUTO
O Código Civil dispõe de oito causas de extinção do usufruto, mas a maioria das pessoas só lembra de duas: morte do usufrutuário e renúncia.
Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:
I – pela renúncia ou morte do usufrutuário;
II – pelo termo de sua duração;
III – pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer;
IV – pela cessação do motivo de que se origina;
V – pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409;
VI – pela consolidação;
VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
VIII – Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399).
Além das causas de extinção é bom lembrar das obrigações do usufrutuário dispostas nos arts 1.400 a 1.409. principalmente os seguinte artigos:
Art. 1.403 Incumbem ao usufrutuário:
I – as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu;
II- as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída.
Art. 1.404. Incumbem ao dono as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou aumentarem o rendimento da coisa usufruída.
§ 1 o Não se consideram módicas as despesas superiores a dois terços do líquido rendimento em um ano.
§ 2 o Se o dono não fizer as reparações a que está obrigado, e que são indispensáveis à conservação da coisa, o usufrutuário pode realizá-las, cobrando daquele a importância despendida.
Art. 1.405. Se o usufruto recair num patrimônio, ou parte deste, será o usufrutuário obrigado aos juros da dívida que onerar o patrimônio ou a parte dele.
Art. 1.406. O usufrutuário é obrigado a dar ciência ao dono de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa, ou os direitos deste.
Se incumbe ao usufrutuário pagar as despesas de conservação do imóvel como os impostos e cota condominical e, portanto, é justo que se cancele o usufruto por falta de pagamento de tais encargos, por exemplo.
Principalmente os encargos inerentes à propriedade, que possuem a natureza propter rem, isto é, são obrigações que recaem sobre o bem imóvel independentemente da pessoa que o possua.
Porque o Código Civil não possui a previsão expressa contemplando a extição do susfruto em virtude do não pagamento de cota condominial?
Porque este começou a ser elaborado em 1969, iniciando sua tramitação somente em 1975, ou seja, a tramitação morosa e descompassada com as atualizações contemporâneas à época.
Ou seja: Nosso Código Civil nasceu velho, não havendo diversas previsões necessárias.
Mas, como arrematar um imóvel com usufruto vitalicio na matricula?
A resposta é positiva é: por meio de uma proposta de compra condicionada ao cancelamento do usufruto.
Como vimos a pouco, o usufruto é um direito real elencado nos artigos 1.390 a 1.413 do Código Civil, e suas causas de extinção estão elencadas no artigo 1.410 do mesmo diploma legal.
Ocorre que o cancelamento judicial não consta no rol do artigo 1.410, e agora?
Segundo entendimento do STJ, leilão judicial é forma de aquisição originária da propriedade, ou seja, o arrematante adquire o bem livre de débitos e gravames anteriores.
Além disso, não pode o usufruto servir de escudo para que o possuidor de um bem fique sem pagar seus credores, pois muitos já se utilizaram dessa estratégia com intuito de inadimplir suas obrigações.
Imóveis com usufruto acabam indo a leilão diversas vezes, em processos que se arrastam por décadas justamente porque ninguém quer arrematar um imóvel e ter de esperar o usufrutuário falecer, por exemplo, partir dessa pra melhor, para tomar posse do bem.
Pensando nisso, a solução encontrada por especialistas atuantes no mercado dos leilões foi utilizar a proposta do art. 895 do CPC com a condição de cancelamento do usufruto.
Por que juizes têm tanto medo de cancelar usufruto?
Vendo pela ótica positivista, o usufruto vitalício, mais comum em imóveis, somente se extingue pelas causas expressas no artigo 1.410 do Código Civil, e apesar do inadimplemento de cotas condominiais e tributos não serem causa expressa, alguns Tribunais têm encaixado tais situações no inciso VII do art. 1.410, posto que alguns precedentes do STJ entendem que o não pagamento de IPTU e condomínio é condição análoga para caracterizar à ruína da coisa, podendo então extingui-lo.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. USUFRUTO. EXTINÇÃO. DÉBITOS FISCAIS. IPTU. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. ARTIGO 1.410, INCISO VII, DO CÓDIGO CIVIL. BEM IMÓVEL. DETERIORAÇÃO OU RUÍNA. OCORRÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
- A ausência de pagamento de débitos fiscais, de forma a possibilitar a alienação judicial, evidencia a hipótese de deterioração ou ruína do bem imóvel, sendo causa de extinção do usufruto. Precedentes. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp 854103 MS 2016/0023249-8
Mas, e se falarmos de leilão em que o débito exequendo não seja IPTU ou condomínio, para encaixar no art. 1410, VII, conforme precedentes citados?
Aí, a situação fica complicada. a coisa fica mais nebulosa.
Apesar de, o juiz de primeira instância poder antes do leilão, decidir sobre o cancelamento do usufruto, ou até mesmo aceitar uma proposta condicionada ao seu cancelamento, fato é que pode “dar pano pra manga” e gerar discussão, caso o usufrutuário seja bem ativo no processo, eis que ele deve ser intimado do leilão, sob pena de nulidade.
Como vimos, faz sentido enquadrar os débitos propter rem como IPTU e cota condominial no inciso VII, mas, e no caso de de um leilão trabalhista, que ao desconsiderar a personalidade jurídica da empresa, atinge-se bem do sócio e nu-proprietário que está gravado com usufruto vitalício a seu filho, por exemplo, e sem nenhum débito propter rem?
Mesmo sendo propter rem o débito exequendo, alguns Tribunais entendem que a forma cabível de se extinguir um usufruto sem ser pela morte ou renúncia, seria mediante ação autônoma própria, então, menos ainda, seria possível extinguir por uma dívida exclusiva do nu-proprietário.
DESPESAS CONDOMINIAIS – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – IMÓVEL GERADOR DAS DESPESAS OBJETO DE ARREMATAÇÃO – PRETENSÃO DE EXTINÇÃO DO USUFRUTO INCIDENTE SOBRE O BEM – IMPOSSIBILIDADE DE DECISÃO DO TEMA EM SEDE INCIDENTAL – NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA COM AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO – DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO.
A extinção do usufruto que recai sobre o imóvel gerador das despesas condominiais deve ser pleiteada em ação própria, sendo descabida a pretensão de extinção em sede incidental. TJ-SP – Agravo de Instrumento: AI 2219156-24.2021.8.26.0000
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. – AGRAVADOS INTIMADOS POR CARTA. CORRESPONDÊNCIA DEVOLVIDA. DEVER DE MANTER ATUALIZADO O ENDEREÇO DESCUMPRIDO. VALIDADE DO ATO. – COBRANÇA DE COTA CONDOMINIAL. PENHORA DE IMÓVEL GRAVADO COM USUFRUTO. PRETENSÃO DE EXTINÇÃO DO USUFRUTO QUE NÃO FOI OBJETO DE ANTERIOR DECISÃO. – CONSTRIÇÃO QUE RECAI SOBRE A NUA PROPRIEDADE. AQUISIÇÃO DO IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA QUE NÃO POSSUI O EFEITO DE EXTINÇÃO DO DIREITO REAL, NÃO OBSTANTE SEJA CONSIDERADA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. – EXTINÇÃO DO USUFRUTO PELA NÃO CONSERVAÇÃO OU USO DA COISA. PRETENSÃO A SER EXERCIDA EM AÇÃO PRÓPRIA QUE ASSEGURE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE BUSCAR A DESCONSTITUIÇÃO DO DIREITO EM INCIDENTE PROCESSUAL. – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Tendo em vista que os executados não regularizaram sua representação processual e não mantiveram o juízo atualizado de seu atual endereço, tem-se por válida a intimação por carta, ainda que a missiva tenha sido devolvida com anotação de mudou-se ou ausente.- O usufruto pode ser definido como um direito real sobre coisa alheia, fruto da separação dos poderes inerentes ao direito de propriedade. A propriedade e o usufruto, portanto, são direitos reais distintos.- O imóvel pode ser penhorado e leiloado, “mas a todo tempo, inclusive depois da arrematação, incidirá sobre ele o direito real de usufruto, pertencente ao usufrutuário, até que venha a extinguir-se, nas hipóteses previstas no art. 1.410”.- A pretensão de extinção do usufruto pela não conservação ou não uso do bem deve ser buscada em ação própria que assegure o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios a ela inerentes, o que obsta a desconstituição do direito pela via incidental no cumprimento de sentença. (TJPR – 9ª Câmara Cível – 0046768-94.2022.8.16.0000 – Rolândia – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RAFAEL VIEIRA DE VASCONCELLOS PEDROSO – J. 27.11.2022)
Porém, apesar de entendermos que o usufrutuário nada tem a ver com os débitos pessoais do nu-proprietário, a grande questão é, que um usufruto passa a servir como véu para o inadimplemento, tendo em vista que um
imóvel com usufruto vitalício na matrícula, em um processo onde o juízo já decidiu que não cancelará o usufruto, não é arrematado, pois ninguém deseja arrematar adquirir somente a nua propriedade e consequentemente não saber em que momento terá a posse do imóvel, já que, também, terá de esperar o usufrutuário falecer, já que a probabilidade de renunciar é ínfima.
Além da questão de não saber quando terá a posse, geralmente, o que vislumbramos atualmente nas execuções, é haver na avaliação do imóvel, a consideração do valor da propriedade plena, não da nua-propriedade. Então, menos razão ainda para alguém decidir arrematar somente a nua-propriedade com base no valor da propriedade plena.
Em conclusão, pensando em todo o imbróglio causado por não haver previsão expressa de extinção de usufruto por inadimplemento dos débitos propter rem e do nu-proprietário, pensamos que a melhor alternativa seria uma alteração no Código Civil para inserir tais situações no rol do art. 1410, e acabar de vez com a celeuma.
Joyce Loyola
Advogada há mais de 1 década;
Especialista em leilões;
Pós-graduação em: Direito Imobiliário pela PUC/MG, Marketing; Direito Digital, e Direito Penal e Processo Penal;
Membro das Comissões Nacional de Leilões da ABA e IBRADIM.