Segurança Pública

Defesa por “perseguição política” vira estratégia recorrente de investigados por corrupção no Brasil

Especialistas alertam para riscos à democracia, à confiança institucional e aos desafios do Estado no enfrentamento de organizações criminosas

Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais frequente no cenário político brasileiro a adoção de uma estratégia discursiva por parte de agentes públicos investigados por crimes como corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa: a alegação de que seriam vítimas de perseguição política.

A narrativa costuma surgir logo após a deflagração de operações policiais ou a divulgação de decisões judiciais que autorizam buscas, apreensões ou quebras de sigilo. Em muitos casos, os investigados passam a minimizar ou desqualificar os indícios, provas documentais, relatórios técnicos e movimentações financeiras apontadas por órgãos como a Polícia Federal, polícias civis estaduais e o Ministério Público, direcionando o debate para o campo político ou ideológico.

Para especialistas em Direito Penal e Ciência Política, o fenômeno levanta preocupações relevantes sobre o impacto dessa retórica na opinião pública, na credibilidade das instituições e na própria efetividade do combate à criminalidade organizada.

A retórica da perseguição e o esvaziamento do debate jurídico

No plano jurídico, investigadores e juristas destacam que operações policiais e decisões judiciais são fundamentadas em procedimentos técnicos, como análise de dados bancários, fiscais, telefônicos, depoimentos, documentos e cruzamento de informações. A alegação genérica de perseguição política, quando apresentada sem comprovação, não afasta, por si só, a materialidade ou os indícios de autoria apontados nos autos.

Ainda assim, a estratégia tem se mostrado eficaz do ponto de vista comunicacional. Ao deslocar o foco da discussão das provas para o discurso de vitimização, investigados conseguem, muitas vezes, confundir parte da população, desacreditar instituições e reforçar narrativas de polarização.

Analistas apontam que esse movimento enfraquece o debate público qualificado, pois substitui a análise técnica dos fatos por slogans, ataques institucionais e discursos emocionais.

Lideranças religiosas, influência social e riscos de instrumentalização

Outro aspecto que tem chamado a atenção de autoridades e estudiosos é a utilização da influência religiosa como elemento de defesa política. Em alguns casos, políticos investigados possuem vínculos diretos com lideranças religiosas ou são eles próprios pastores e dirigentes de igrejas, especialmente no segmento evangélico.

Pesquisas e estudos econômicos indicam que o setor religioso evangélico movimenta bilhões de reais por ano no Brasil, por meio de doações, contribuições e atividades associadas. Estimativas amplamente divulgadas apontam que esse montante pode ultrapassar R$ 20 bilhões anuais, colocando algumas lideranças religiosas entre as mais influentes economicamente do país.

Especialistas alertam que a fé, quando instrumentalizada politicamente, pode se transformar em um escudo simbólico contra investigações legítimas, sobretudo quando fiéis são levados a acreditar que líderes religiosos ou políticos associados a igrejas seriam “intocáveis” ou representantes divinos, imunes à fiscalização do Estado.

O desafio, segundo juristas, está em preservar a liberdade religiosa, garantida pela Constituição, sem permitir que ela seja utilizada para encobrir ilícitos ou dificultar a atuação das autoridades.

Suspeitas, investigações e o papel do Estado

Órgãos de controle e investigação têm reconhecido, em documentos oficiais e relatórios técnicos, a complexidade crescente no enfrentamento de esquemas criminosos que utilizam estruturas formais — como empresas, associações e, em alguns casos, instituições religiosas — para ocultar ou dissimular recursos de origem ilícita.

Há investigações em curso no país que apuram suspeitas de lavagem de dinheiro envolvendo organizações religiosas, especialmente quando há indícios de movimentações financeiras incompatíveis com a finalidade declarada das entidades. Especialistas ressaltam, contudo, que nem todas as igrejas ou líderes religiosos estão envolvidas em irregularidades, sendo essencial evitar generalizações.

O desafio do poder público é duplo: investigar com rigor técnico, respeitando o devido processo legal, e comunicar com clareza à sociedade que investigações não se confundem com perseguição ideológica ou religiosa, mas decorrem de fatos concretos.

Democracia, informação e responsabilidade pública

Para estudiosos da democracia, o uso recorrente da alegação de perseguição política como estratégia defensiva representa um risco institucional. Quando provas são sistematicamente desqualificadas sem enfrentamento técnico, cria-se um ambiente de desconfiança generalizada, no qual qualquer investigação pode ser rotulada como ilegítima.

Nesse contexto, o papel da imprensa, do Judiciário, das forças de segurança e da sociedade civil torna-se ainda mais relevante. Informar com responsabilidade, separar fatos de narrativas e garantir que o debate público seja pautado por dados, decisões judiciais e transparência são elementos essenciais para a preservação do Estado Democrático de Direito.

O combate à corrupção e às organizações criminosas exige instituições fortes, respeito às garantias individuais e, sobretudo, uma sociedade capaz de distinguir fé, política e responsabilidade legal. A retórica da perseguição pode mobilizar apoiadores no curto prazo, mas, a longo prazo, impõe desafios significativos à confiança pública e à própria democracia brasileira.

Por Dante Navarro

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