Política

Comissão de Ética sob fogo cruzado: por que, mais uma vez, processos contra deputados não inspiram confiança

Mesmo com a instauração de processos contra parlamentares envolvidos em motim, o histórico de inoperância e impunidade da Comissão de Ética lança dúvidas sobre sua eficácia institucional

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Em 7 de outubro de 2025, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados anunciou a abertura de processos disciplinares contra três parlamentares implicados no motim que paralisou os trabalhos legislativos em agosto: Marcos Pollon (PL-MS), Marcel van Hattem (Novo-RS) e Zé Trovão (PL-SC). A medida, aprovada a pedido da Mesa Diretora da Câmara, visa punir condutas que teriam obstruído a atuação da presidência da Casa.

Porém, mesmo com a formalização dessas ações, pesa sobre esse episódio a desconfiança generalizada de que o Conselho de Ética será apenas mais um cartão-postal institucional sem força real — um órgão que historicamente repete ciclos de abertura de processos sem punições efetivas, neutralizando a possibilidade de controle ético democrático.

A instauração dos processos: formalidade ou resultado?

A instauração oficial dos processos marca apenas o primeiro passo de uma longa tramitação. Depois disso, cabe ao presidente do Conselho, Fabio Schiochet (União-SC), escolher relatores, sortear etapas procedimentais, e aguardar pareceres preliminares e contrarrazões.

Em relação aos envolvidos:

  • Marcos Pollon responde a duas queixas: uma por obstrução ao acesso da presidência da Câmara e outra por declarações ofensivas a Hugo Motta. Para a primeira, a Corregedoria sugeriu suspensão por 30 dias; para a segunda, suspensão por 90 dias.
  • Marcel van Hattem e Zé Trovão têm representações similares por impedir o acesso ao local de comando da Mesa da Câmara. Para ambos, a Mesa busca suspensão por 30 dias.
  • Apesar do apensamento de três representações (uma instância de reunir processos correlatos) para tramitar com um único relator, o trâmite pode se estender por semanas ou meses.
  • Na prática, mesmo após todo o rito, o Conselho pode propor arquivamento, penas brandas ou deixar de levar à votação final no plenário. E é aí que reside o maior descrédito da instituição.

H2 – Comissão de Ética: segredos de uma ilha institucional

O Conselho de Ética da Câmara funciona sob o pretexto de ser guardião do decoro parlamentar. Na teoria, sua missão é fiscalizar, julgar e aplicar penalidades a deputados que violem normas éticas ou comportamentais.

Na prática, porém, existem vários obstáculos estruturais:

  1. Viés político e conflito de interesses: muitos dos integrantes do Conselho são deputados com vínculos partidários ou mesmo alvos de investigações éticas. Isso gera dúvida sobre sua imparcialidade e predisposição para proteger colegas.
  2. Elevada taxa de arquivamento ou estagnação de casos: críticas recorrentes apontam que denúncias são acatadas formalmente, mas depois deixadas de lado ou “morrendo em gaveta” devido à demora ou falta de vontade política.
  3. Demora processual crônica: as normas permitem prazos longos e prorrogações, o que favorece arrastar processos indefinidamente — até que o contexto político mude.
  4. Poder decisório final entregue ao plenário: mesmo quando o Conselho aprova uma punição, a votação em plenário depende de maioria absoluta (257 votos), o que torna difícil aplicar sanções severas contra deputados influentes.
  5. Esses fatores alimentam a percepção pública — cada vez mais consolidada — de que o Conselho de Ética é uma bandeira institucional sem musculatura, incapaz de inibir desvios de conduta.

Por que estas novas representações reforçam o ciclo da impunidade

Mesmo diante da gravidade dos episódios em agosto — ocupação do plenário por mais de 30 horas, bloqueio administrativo e obstrução da Presidência —, há sinais de que o caminho seguirá o padrão histórico.

Primeiro, a mera instauração dos processos não garante punição ou afastamento cautelar. Os deputados poderão continuar exercendo mandatos até o desfecho — se houver. Segundo, muitos casos anteriores demonstraram que, ao final, prevalecem penas brandas (censura escrita, advertência) ou o arquivamento completo.

Ademais, não são poucos os críticos que apontam que, quando o Conselho precisa punir figuras poderosas, as resistências partidárias e negociações internas tendem a neutralizar os efeitos das sanções — retornando os réus ao status quo. Esse fenômeno alimenta a narrativa de que “ninguém é punido de fato”.

No processo contra o ex-deputado Eduardo Cunha, por exemplo, houve forte resistência interna e manobras para atrasar o julgamento antes da cassação definitiva — prova histórica de que o mecanismo é permeável à pressão política.

Esses precedentes reforçam o pessimismo de que os casos de Pollon, Van Hattem e Zé Trovão triunfarão em aparente formalismo, sem consequências efetivas.

Conclusão: ritual sem poder?

A abertura dos processos contra deputados envolvidos no motim marca um movimento necessário do ponto de vista institucional. Mas sem vontade política real ou estrutura forte para garantir a eficácia do julgamento, é provável que esses casos se convertam em mais capítulos da longa narrativa de impunidade associada à Comissão de Ética.

A fortaleza da credibilidade institucional não pode se basear apenas no rito solene da abertura de processos. É preciso que a sociedade acompanhe, cobre transparência, exija prazos rígidos e vote segundo atitudes, não promessas vazias.

 

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