Será que o povo brasileiro quer a impunidade de seus representantes?
A grave ameaça de blindagem parlamentar e a infiltração criminosa no poder político

Por Dante Navarro.
A impunidade como projeto político
O Brasil atravessa um momento delicado em sua história democrática. O tema da impunidade de deputados, senadores e até líderes partidários voltou ao debate nacional com força. A questão que ecoa entre juristas, cidadãos e instituições é simples, mas profundamente perturbadora: será que o povo brasileiro aceita que parlamentares fiquem isentos de investigação e processo por crimes graves? Entre as acusações que pairam sobre alguns nomes estão corrupção, desvio de dinheiro público, desvio de verbas parlamentares, extorsão, pedofilia, organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e até ações que buscam a abolição do Estado democrático de direito.
O mais preocupante é que esse tipo de blindagem não surge por acaso. Projetos legislativos e articulações internas no Congresso têm buscado criar mecanismos que dificultem ou até impeçam a responsabilização penal de seus membros. Trata-se de um claro conflito de interesses: aqueles que deveriam legislar para a sociedade buscam, na prática, legislar em causa própria. O resultado é um abismo crescente entre o parlamento e a população, que já não se vê representada nas pautas prioritárias de Brasília.
A sociedade, nesse contexto, passa a perceber que as estruturas criadas para proteger a democracia podem estar sendo instrumentalizadas para defender criminosos de colarinho branco. O Brasil, em pleno século XXI, corre o risco de conviver com um sistema que institucionaliza a impunidade.
Essa discussão não se limita à capital federal. Em diversas Assembleias Legislativas estaduais, denúncias revelam que alguns parlamentares estariam exercendo seus mandatos não em nome do povo, mas como representantes diretos de facções criminosas. Esse é um ponto que acende um alerta vermelho sobre a saúde do nosso sistema político e sobre os limites da democracia diante da corrupção sistêmica.
A infiltração criminosa no parlamento
O Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, recentemente acendeu um sinal de alerta importante para o país. Em declarações públicas, o ministro destacou que já existem indícios concretos de infiltração criminosa no parlamento brasileiro, tanto em nível federal quanto estadual. A presença de parlamentares ligados a organizações criminosas significa, em termos práticos, que o crime organizado não apenas influencia, mas participa diretamente da elaboração de leis e de decisões políticas.
Esse fenômeno representa uma ameaça sem precedentes. A captura do Estado por interesses criminosos corrói a confiança social, destrói a credibilidade das instituições e compromete a própria soberania nacional. Se aqueles que deveriam ser guardiões da democracia se aliam a facções criminosas, quem restará para proteger o povo?
É preciso destacar que a infiltração não ocorre de maneira abrupta. Trata-se de um processo gradual, que envolve financiamento ilícito de campanhas, coação de líderes locais e utilização de cargos públicos para ampliar redes criminosas. Com isso, o parlamento, que deveria ser um espaço de pluralidade e defesa dos interesses da população, passa a ser palco de negociações obscuras e desvios bilionários de recursos públicos.
O mais grave é que esse processo de infiltração se combina a tentativas de enfraquecer as instituições de fiscalização e investigação. Projetos que limitam o poder do Ministério Público, iniciativas para restringir a atuação da Polícia Federal e manobras que dificultam o acesso da sociedade à informação são exemplos de estratégias que buscam consolidar a blindagem dos parlamentares envolvidos em crimes.
Ricardo Lewandowski foi enfático ao afirmar que a Polícia Federal é hoje a única força de segurança nacional que vem atuando de maneira firme no combate a crimes praticados por políticos. Esse protagonismo reforça a importância de manter e ampliar os recursos da corporação, blindando-a contra ingerências políticas que possam comprometer sua autonomia.
O papel do povo e a responsabilidade da democracia
Diante desse cenário, cabe à sociedade refletir: será que o povo brasileiro está disposto a aceitar tamanha impunidade? É aceitável que deputados e senadores legislem para garantir a própria imunidade criminal, enquanto milhões de cidadãos enfrentam diariamente as consequências da corrupção e da má gestão?
A história mostra que nenhuma democracia resiste à corrupção sistêmica sem a participação ativa da sociedade. O papel do povo é central para exigir transparência, responsabilização e mudanças estruturais. Mobilizações populares, pressão por meio das redes sociais, acompanhamento das votações no Congresso e o voto consciente são ferramentas poderosas contra a perpetuação desse sistema de impunidade.
É igualmente necessário fortalecer a educação política da população. Muitos brasileiros ainda não compreendem o impacto direto que as decisões do parlamento têm em suas vidas cotidianas. Questões como o preço dos alimentos, a qualidade da saúde pública e a segurança nas ruas estão diretamente relacionadas às políticas públicas elaboradas por deputados e senadores. Se esses representantes atuam em benefício próprio ou de facções criminosas, o resultado inevitável é o aprofundamento da crise social e econômica.
A democracia brasileira precisa urgentemente de um novo pacto de transparência e responsabilidade. Isso inclui regras claras para investigar parlamentares, mecanismos de fiscalização mais efetivos e o fortalecimento das instituições independentes. O combate à impunidade não pode ser apenas uma bandeira política, mas uma demanda real da sociedade, capaz de transformar a indignação em mudanças concretas.
É nesse ponto que surge o verdadeiro desafio: romper com a cultura da impunidade exige coragem coletiva, tanto de cidadãos quanto de instituições. O futuro do país depende da capacidade do povo em dizer não à blindagem de corruptos e sim à construção de um Estado democrático forte, íntegro e realmente voltado para o bem comum.
Dante Navarro é jornalista e editor do Pauta Brasil